terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Posição do Município na Federação brasileira, criação e organização dos Municípios

Nos primeiros capítulos de sua magnífica obra “Direito municipal brasileiro” (2014, 17ª edição, 2ª tiragem atualizada por Adilson Abreu Dallari), o mestre Hely Lopes Meirelles apresenta um panorama histórico relativo às origens e evolução do Município no direito comparado e no direito constitucional brasileiro, afirmando, em brilhante síntese (p. 45), que:
"Pelo escorço histórico e constitucional que traçamos até aqui, verifica-se que o conceito de Município flutuou no Brasil ao sabor dos regimes, que ora alargavam, ora comprimiam suas franquias, dando-lhe liberdade política e financeira ou reduzindo-o à categoria de corporação meramente administrativa, embora todas as Constituições do Brasil inscrevessem em seus textos a tão aspirada autonomia municipal. [...] No regime monárquico o Município não a teve, porque a descentralização governamental não consultava aos interesses do Imperador; na Primeira República não a desfrutou, porque o coronelismo sufocou toda a liberdade municipal e falseou o sistema eleitoral vigente, dominando inteiramente o governo local; no período revolucionário (1930/1934) não a teve, por incompatível com discricionarismo político que se instaurou no País; na Constituição de 1934 não a usufruiu, porque a transitoriedade de sua vigência obstou à consolidação do regime; na Carta Outorgada de 1937 não a teve, porque as Câmaras permaneceram dissolvidas e os prefeitos subordinados à interventoria dos Estados."
Na opinião do consagrado autor, somente a partir da Constituição de 1946, a autonomia municipal passou a ser exercida, tendo sido aprimorada pela atual Carta Constitucional de 1988 que contempla a autonomia municipal em tríplice aspecto:
a) Político: eleição dos governantes locais (prefeito, vice-prefeito e vereadores); votação e instituição da Carta de organização local (lei orgânica) – sistema que, para o mestre Hely (2014, p. 88, nota 30) não é de todo benéfico, em relação ao regime anterior de lei orgânica estadual (princípios gerais de organização municipal editados pelo Estado respectivo), pois conferiria ao ente local um poder para o qual, na opinião do autor, a maioria dos Municípios não estaria preparada, além de resultar na multiplicidade de regimes jurídicos locais, dificultando o conhecimento por parte dos indivíduos;
b) Administrativo: administração dos assuntos e serviços públicos de interesse local (critério da predominância do interesse – art. 30, inciso I, CF/88) e ordenação de seu território;
c) Financeiro: exercício de sua competência legislativa tributária, e direito ao recebimento da parcela dos tributos de competência de outros entes que lhe caiba, com o fim de arrecadar e aplicar suas rendas.
A atual organização jurídico-constitucional dos Municípios está delineada, basicamente, nos artigos 23 (competências comuns dos Estados, Distrito Federal e Municípios), 29 a 31 (capítulo especialmente destinado à organização municipal), 156 (estabelecimento dos impostos de competência municipal, dentre os quais o ITBI – imposto sobre a transmissão “inter vivos” de bens imóveis e de direitos a eles relativos que, pelo disposto o art. 24, inciso I, da Constituição de 1967, e art. 35 (não recepcionado) do Código Tributário Nacional, se inseria na competência tributária dos Estados), 158 e 159 (disciplina de repartição de receitas a ser entregues aos Municípios) da Constituição de 1988, todos de leitura obrigatória aos que almejam prestar concursos jurídicos em âmbito municipal.
O art. 18, §4º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 15/96, prevê a possibilidade de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, nos seguintes termos:
"§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei."
Os requisitos dispostos no referido artigo são, nas palavras de Paulo Gustavo Gonet Branco (2014, p. 822): “lei estadual, plebiscito para escutar tanto a população do eventual novo Município como os demais envolvidos, estudos de viabilidade do novo ente e que se respeitem as limitações de calendário dispostas em lei complementar federal”.
Conforme acentuado pelo mesmo autor (2014, p. 822):
"Essas exigências apertadas devem-se à necessidade de reprimir a proliferação de novos entes municipais, nem sempre animada, de modo claro, por motivos de real interesse público. A falta de lei federal complementar sobre limitações de calendário inviabiliza a criação de novos Municípios."
Com efeito, no âmbito do controle concentrado de leis (ADI-MC 2.381, ADI 2.702/PR, ADI 2.632/BA, ADI 3.316 entre outras) o Supremo Tribunal Federal assentou a inconstitucionalidade de criação de alguns municípios, bem como o impedimento constitucional para criação de novos, à falta da lei complementar federal prevista no art. 18, §4º, da CF.
Não obstante, ao invés de suprir sua omissão legislativa, editando a lei complementar reclamada pelo art. 18, §4º, da CF, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº. 57/2008, com inclusão ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) do art. 96, in verbis: “ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação”.
Em sua obra já citada o mestre Hely externa posicionamento contrário à criação desenfreada de Municípios, aludindo que: “a experiência vem demonstrando que a desmedida criação de Municípios enfraquece economicamente os já existentes e debilita os que surgem sem condições de vida autônoma” (2014, p. 67).
Diante de tudo o quanto foi exposto cabe salientar, por derradeiro, que autores como Hely Lopes Meirelles (2014, p. 46) entendem que a posição ocupada pelo Município, no ordenamento constitucional vigente (CF/88), é a de “entidade político-administrativa de terceiro grau”, sendo peça essencial da federação brasileira, nos termos dos artigos 1º e 18 da CF.
Já autores como Paulo Gustavo Gonet Branco (2014, p. 822) consignam, dentre outros, os seguintes argumentos, no sentido de que os Municípios não seriam integrantes da Federação: o fato de não haver representantes dos Municípios no Senado Federal; a inexistência de um Poder Judiciário municipal; a intervenção nos Municípios a cargo do Estado-membro (art. 35, da CF) etc.

E você, caro leitor, o que entende?

Em futuro post, relacionado à página “Comentários a questões de concursos”, investigarei o entendimento de algumas bancas organizadoras de concursos no que tange a tal questionamento.

Acompanhe.

Maria Almeida.

Bibliografia

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 17. ed., 2ª tiragem atualizada por Adilson Abreu Dallari. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

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