Nos primeiros capítulos
de sua magnífica obra “Direito municipal brasileiro” (2014, 17ª edição, 2ª
tiragem atualizada por Adilson Abreu Dallari), o mestre Hely Lopes Meirelles
apresenta um panorama histórico relativo às origens e evolução do Município no
direito comparado e no direito constitucional brasileiro, afirmando, em
brilhante síntese (p. 45), que:
"Pelo escorço histórico e constitucional que traçamos até aqui, verifica-se que o conceito de Município flutuou no Brasil ao sabor dos regimes, que ora alargavam, ora comprimiam suas franquias, dando-lhe liberdade política e financeira ou reduzindo-o à categoria de corporação meramente administrativa, embora todas as Constituições do Brasil inscrevessem em seus textos a tão aspirada autonomia municipal. [...] No regime monárquico o Município não a teve, porque a descentralização governamental não consultava aos interesses do Imperador; na Primeira República não a desfrutou, porque o coronelismo sufocou toda a liberdade municipal e falseou o sistema eleitoral vigente, dominando inteiramente o governo local; no período revolucionário (1930/1934) não a teve, por incompatível com discricionarismo político que se instaurou no País; na Constituição de 1934 não a usufruiu, porque a transitoriedade de sua vigência obstou à consolidação do regime; na Carta Outorgada de 1937 não a teve, porque as Câmaras permaneceram dissolvidas e os prefeitos subordinados à interventoria dos Estados."
"Pelo escorço histórico e constitucional que traçamos até aqui, verifica-se que o conceito de Município flutuou no Brasil ao sabor dos regimes, que ora alargavam, ora comprimiam suas franquias, dando-lhe liberdade política e financeira ou reduzindo-o à categoria de corporação meramente administrativa, embora todas as Constituições do Brasil inscrevessem em seus textos a tão aspirada autonomia municipal. [...] No regime monárquico o Município não a teve, porque a descentralização governamental não consultava aos interesses do Imperador; na Primeira República não a desfrutou, porque o coronelismo sufocou toda a liberdade municipal e falseou o sistema eleitoral vigente, dominando inteiramente o governo local; no período revolucionário (1930/1934) não a teve, por incompatível com discricionarismo político que se instaurou no País; na Constituição de 1934 não a usufruiu, porque a transitoriedade de sua vigência obstou à consolidação do regime; na Carta Outorgada de 1937 não a teve, porque as Câmaras permaneceram dissolvidas e os prefeitos subordinados à interventoria dos Estados."
Na opinião do
consagrado autor, somente a partir da Constituição de 1946, a autonomia
municipal passou a ser exercida, tendo sido aprimorada pela atual Carta
Constitucional de 1988 que contempla a autonomia municipal em tríplice aspecto:
a) Político: eleição dos governantes locais
(prefeito, vice-prefeito e vereadores); votação e instituição da Carta de
organização local (lei orgânica) – sistema que, para o mestre Hely (2014, p.
88, nota 30) não é de todo benéfico, em relação ao regime anterior de lei
orgânica estadual (princípios gerais de organização municipal editados pelo
Estado respectivo), pois conferiria ao ente local um poder para o qual, na
opinião do autor, a maioria dos Municípios não estaria preparada, além de
resultar na multiplicidade de regimes jurídicos locais, dificultando o
conhecimento por parte dos indivíduos;
b) Administrativo: administração dos
assuntos e serviços públicos de interesse local (critério da predominância do
interesse – art. 30, inciso I, CF/88) e ordenação de seu território;
c) Financeiro: exercício de sua competência
legislativa tributária, e direito ao recebimento da parcela dos tributos de
competência de outros entes que lhe caiba, com o fim de arrecadar e aplicar
suas rendas.
A atual organização
jurídico-constitucional dos Municípios está delineada, basicamente, nos artigos
23 (competências comuns dos Estados, Distrito Federal e Municípios), 29 a 31
(capítulo especialmente destinado à organização municipal), 156
(estabelecimento dos impostos de competência municipal, dentre os quais o ITBI
– imposto sobre a transmissão “inter
vivos” de bens imóveis e de direitos a eles relativos que, pelo disposto o art.
24, inciso I, da Constituição de 1967, e art. 35 (não recepcionado) do Código
Tributário Nacional, se inseria na competência tributária dos Estados),
158 e 159 (disciplina de repartição de receitas a ser entregues aos Municípios)
da Constituição de 1988, todos de leitura obrigatória aos que almejam prestar
concursos jurídicos em âmbito municipal.
O art. 18, §4º, da
Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 15/96,
prevê a possibilidade de criação, incorporação, fusão e desmembramento de
Municípios, nos seguintes termos:
"§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei."
"§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei."
Os requisitos dispostos
no referido artigo são, nas palavras de Paulo Gustavo Gonet Branco (2014, p.
822): “lei estadual, plebiscito para escutar tanto a população do eventual novo
Município como os demais envolvidos, estudos de viabilidade do novo ente e que
se respeitem as limitações de calendário dispostas em lei complementar
federal”.
Conforme acentuado pelo
mesmo autor (2014, p. 822):
"Essas exigências apertadas devem-se à necessidade de reprimir a proliferação de novos entes municipais, nem sempre animada, de modo claro, por motivos de real interesse público. A falta de lei federal complementar sobre limitações de calendário inviabiliza a criação de novos Municípios."
"Essas exigências apertadas devem-se à necessidade de reprimir a proliferação de novos entes municipais, nem sempre animada, de modo claro, por motivos de real interesse público. A falta de lei federal complementar sobre limitações de calendário inviabiliza a criação de novos Municípios."
Com efeito, no âmbito
do controle concentrado de leis (ADI-MC 2.381, ADI 2.702/PR, ADI 2.632/BA, ADI
3.316 entre outras) o Supremo Tribunal Federal assentou a inconstitucionalidade
de criação de alguns municípios, bem como o impedimento constitucional para
criação de novos, à falta da lei complementar federal prevista no art. 18, §4º,
da CF.
Não obstante, ao invés
de suprir sua omissão legislativa, editando a lei complementar reclamada pelo art.
18, §4º, da CF, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional nº. 57/2008, com
inclusão ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) do art. 96,
in verbis: “ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e
desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro
de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo
Estado à época de sua criação”.
Em sua obra já citada o
mestre Hely externa posicionamento contrário à criação desenfreada de
Municípios, aludindo que: “a experiência vem demonstrando que a desmedida
criação de Municípios enfraquece economicamente os já existentes e debilita os
que surgem sem condições de vida autônoma” (2014, p. 67).
Diante de tudo o quanto
foi exposto cabe salientar, por derradeiro, que autores como Hely Lopes
Meirelles (2014, p. 46) entendem que a posição ocupada pelo Município, no
ordenamento constitucional vigente (CF/88), é a de “entidade
político-administrativa de terceiro grau”, sendo peça essencial da federação
brasileira, nos termos dos artigos 1º e 18 da CF.
Já autores como Paulo
Gustavo Gonet Branco (2014, p. 822) consignam, dentre outros, os seguintes argumentos,
no sentido de que os Municípios não seriam integrantes da Federação: o fato de
não haver representantes dos Municípios no Senado Federal; a inexistência de um
Poder Judiciário municipal; a intervenção nos Municípios a cargo do
Estado-membro (art. 35, da CF) etc.
E você, caro leitor, o
que entende?
Em futuro post, relacionado
à página “Comentários a questões de concursos”, investigarei o entendimento de
algumas bancas organizadoras de concursos no que tange a tal questionamento.
Acompanhe.
Maria Almeida.
Bibliografia
MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito municipal brasileiro. 17. ed., 2ª tiragem atualizada por Adilson Abreu
Dallari. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2014.
MENDES, Gilmar
Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
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